Páginas

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Mil coisas antes de morrer

Eu adoro fazer passeios em livrarias, fico por ali caminhando tranquilamente, olhando as capas, pensando nos títulos, folheando alguns livros, vendo as imagens de outros sem perceber o tempo passar. A livraria é um verdadeiro oásis dentro desse urbanismo louco, acelerado e desenfreado.

Mas dessa última vez a coisa foi meio diferente.

Chego à sessão de guias de viagens (eu amo viajar e adoro mapas), um recanto para sonhar com os destinos desejados, com paraísos encantadores, cenários aconchegantes, e me deparo com o título abaixo: “1000 lugares para conhecer antes de morrer”.

O coração acelera, a respiração fica ofegante, a cabeça fia a mil fazendo contas. 1000 lugares? Dá tempo? E dinheiro para isso? Considerando que para viajar eu preciso de algum dinheiro e para ter algum dinheiro eu preciso trabalhar, isso significa que tenho um mês de férias por ano. Ou seja, consigo conhecer de dois a quatro lugares por ano. Tá bom, posso incluir alguns feriadinhos nessa conta e chegar a seis lugares novos por ano. Supondo que eu tenha uma expectativa de vida de 90 anos, que já vivi a metade e, por mais que me considere uma pessoa razoavelmente viajada, na melhor das hipóteses, mas sendo muito otimista mesmo, eu já conheça 500 dos 1000 lugares sugeridos nesse livrinho do bem, ainda precisaria de 83,333 anos de vida para atingir a meta estipulada para antes da minha morte. Ou seja, a conta não fecha. A ansiedade bate a mil.

Por um lado a curiosidade, por outro o quase desespero do medo de constatar que a vida é curta e não vai dar tempo. Abro o livro ou não?

- Abre, abre, abre, vai que você já conhece a grande maioria dos lugares, vai que são locais perto um do outro tipo vários pontos turísticos do Rio, mais um tanto de praias do Nordeste, coisas do tipo. Aí você vai ter aquela sensação de vida bem vivida.
- Não abre, não abre, não abre. Você se lembra daquela listinha de “17 lugares fantásticos no Brasil que você precisa conhecer antes de morrer”? Lembra? Primeiro veio a sensação boa de já conhecer 11 lugares, depois bateu a rebordosa quando você acrescentou mais quatro a sua lista que já é grande. Aí veio a ansiedade, a constatação de que vai ter que trabalhar “bagaraio” e quem trabalha “bagaraio” se estressa mais, quem se estressa mais vive menos, quem vive menos tem menos tempo para cumprir o que essas benditas listas indicam.

Tá lembrei, depois dessa vou sair da sessão de viagens, respirar fundo, corrigir a postura e me encaminhar tranquilamente para a sessão de autoajuda. Não estou acreditando... “101 coisas que você precisa fazer com seus filhos antes eles cresçam”!. Coração acelera novamente, respiração ofegante, a cabeça começa a repassar todas as coisas que já fez com as filhas, foi coisa pra caceta, já começo a me sentir cansada (e feliz, é claro) só por lembrar. Esse aí eu não abro nem por um decreto!
- Primeiro, porque as  filhas já cresceram e não adianta agora eu constatar que não fiz a metade das coisas que eu precisava fazer (atenção para a palavra PRECISA no título).
- Segundo, porque é melhor eu continuar me achando uma boa mãe dedicada, criativa e que aproveitou bem as filhas pequenas. Com certeza a autora é bem criativa e deve ter pensado em umas 50 coisas que eu não fiz.

Ih, peraí, eu conheço a autora! Ela é gente boa e o livro deve ser interessante sim e ajudar as pessoas menos ansiosas e ainda com filhos pequenos, mas para mim o livro já passou da época, então vou sair batida dessa sessão de autoajuda. Vou para algo mais light como livros de culinária e gastronomia.

Ããããã... “1001 pratos para provar antes de morrer”? Como assim? Esse até tem uma boa chance de eu já ter cumprido boa parte. O problema é que eu não somente provo um prato. Eu como tudo, raspo e se der bobeira ainda limpo com um pãozinho. Mas vem novamente a ansiedade, a sensação do tempo correndo e escorrendo pelas mãos, tanta coisa que eu preciso fazer antes de morrer e estou aqui paralisada diante de uma capa de livro. E nem coragem para abri-lo eu tenho.
- Acontece que nessa lista deve ter pratos com ingredientes caros e aí vou ter que trabalhar mais para ter mais dinheiro. Aí vou ter menos tempo e as refeições serão menos corridas.
- Se eu conseguir devorar metade dos pratos sugeridos vou ter que aumentar o tempo fazendo exercícios físicos para manter a minha expectativa de vida e dar tempo de fazer as 1001 coisas por modalidade que preciso fazer antes de morrer.

Mais uma vez a conta não fecha. Se bem que posso comer muitos desses pratos nas 1001 viagens, né? Não, não, não. Não vai dar tempo de fazer todas as viagens. Esquece isso! Sai desse setor correndo!

Quando já estou quase me recompondo, a respiração voltando ao normal, o coração batendo em ritmo de sambinha eu vejo de rabo olho “1001 vinhos que você precisa experimentar antes de morrer”. Opa! Esse eu acho que a conta vai fechar. O recomendado é uma taça de vinho por dia, ou seja, em dois anos e nove meses eu cumpro a minha meta de vida. E ainda, conforme uma matéria que saiu por aí, uma taça de vinho equivale à uma hora de exercício. Já vou poupar o tempo da academia! E a grana também porque vinho não é baratinho, não. Ai, coração acelera e lá vem a ansiedade novamente:
- Para tomar todos esses vinhos em dois anos e nove meses vou ter que trabalhar mais e isso significa ter menos tempo para fazer as viagens, as coisas com as filhas, comer todas as comidas e tomar todos os vinhos.

Desiste, sai correndo dessa livraria, esquece essas listas. Vou saindo com os passos acelerados tentando não olhar para os lados, mas dá tempo de ver o título “1001 músicas que você precisa ouvir antes de morrer”. Nem vem, nem adianta que o tempo no metrô indo para o trabalho está ocupado com os “1001 livros que você precisa ler antes de morrer”. Você sabe que ler e ouvir música ao mesmo tempo no metrô não vai dar certo. Nunca mais você acerta a estação e o pouco tempo que você ainda tem em casa já está ocupado com os “1001 filmes que você precisa ler antes de morrer”.

Fugi dali com a sensação de que todos aquelas 1001 necessidades estivessem atrás de mim. Cheguei em casa, corri para o banheiro para fazer o que realmente era preciso naquele momento e fiquei pensando em como era bom quando a lista das coisas para fazer antes de morrer sem ter desperdiçado a vida tinha apenas três itens: plantar uma árvore (feito), ter um filho (fiz em dobro), escrever um livro (feito já que ninguém falou em editar, publicar e vender). Ufa! Relaxei!

3 comentários:

  1. Chris, adoro passear nas livrarias também e adorei esses que você falou! Feliz 2016 para você. Bjos

    ResponderExcluir
  2. Nossa, que agonia dessas 1001 coisas pra fazer antes de morrer, nunca tive coragem nem de abrir esses livros, não poderiam ser 100 coisas, muito mais fácil de morrer com o dever cumprido hehehe.
    Tinha até um projeto de 100 coisas em 1001 dias e claro que eu falhei, tudo bem que ainda tenho 8 meses mas se conseguir 30% da lista já to feliz, sem stress, sem ter que trabalhar dobrado!
    Beijão

    ResponderExcluir
  3. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk sensacional Chris, parabéns pelo excelente texto, um dos melhores que você já fez, o que confirma o que já te falei várias vezes: faça um livro de crônicas você irá arrasar. ;)
    Beijo, beijo!
    She

    ResponderExcluir