Dormindo Fora

Que as crianças são ótimas negociadoras eu já sabia. E também já senti na pele como esses pequenos são mestres em encontrar as nossas vulnerabilidades e explorá-las com eficiência de um profissional.

A Sofia, minha anjinha caçulinha, usa duas técnicas com muita eficiência:

- pedir absurdos até eu ficar me sentindo mal de tanto dizer não e aí ela vem com a cartada de mestre e quando eu percebo mandei um enorme sim.

- Me deixar bem cansada. Ela já sacou que pessoas cansadas mentalmente são mais propensas a dizer sim. Bom, eu sou. Quanto mais cansada, menos não existe no meu vocabulário.

E foi assim que eu me peguei em uma situação inusitada nesse final de semana.

Por volta das dez horas da noite, quando a pessoa aqui já estava chamando urubu de meu louro, já estava mais pra lá de Bagdá, que a graciosa começou a ter ideias brilhantes e querer a minha participação:

- Mãe, vamos jogar futebol de patins lá no play?

- Sofia, play a essa hora? O play já fechou. Não dá pra jogar futebol, nem andar de patins, muito menos fazer os dois juntos, misturados e ao mesmo tempo.

- Então me ajuda a treinar a dança aérea na rede?

- Ah não Sofia... já é hora de relaxar, de abaixar a bola da agitação. Eu já estou cansada. Não estou nem um pouco a fim de fazer força.

- Vamos fazer um bolo de pamonha?

- Mas tem que ser de pamonha? Não dá para ser um bolo de laranja? A gente nem tem os ingredientes para fazer um bolo de pamonha.

- Vamos dar banho na Xina?

Respira fundo, respira fundo, calma Christiana calma, você está cansada, busca as últimas gotas de paciência que você ainda tem...

- Ai Sofia... você não pode estar falando sério... banho na Xina às dez horas da noite? Não rola, né?

- Poxa mãe, você tá chata, não quer fazer nada...

Quando a mãe começa a se sentir uma chata sem disposição para brincar com a criança, se sentindo velha, mais com ritmo de avó do que de mãe (afinal mãe adora sentir uma culpa, né?), a filha querida, amada, idolatrada, salve, salve, lança o pedido final.

- Então vamos dormir na varanda?

A mãe exausta, cansada mentalmente, só pensando em deitar, e já se sentindo a bruxa má do oeste vestida de chata de galocha andando a caminho ó do borogodó, faz a pequena concessão para o bem do final da negociação.

- Vamos! Ótima ideia!

E assim eu me vi deitada em um colchão no chão da varanda enquanto ela dormia na rede, ouvindo o barulho da chuva, sentindo o frescor do vento e enquanto eu me questionava como eu parei ali, acabei voltando no tempo e me relembrando da minha infância.

Eu morava em casa com jardim e muitas vezes chamava o meu pai para dormirmos no jardim. Sinceramente eu não me lembro se esse pedido vinha depois de vários totalmente inaceitáveis. Provavelmente, sim. Só sei que ele esticava o lençol na grama, levávamos travesseiro e ficávamos contando as estrelas até eu dormir. Claro que depois que eu já tinha dormido rolava algum motivo para a gente entrar e terminar a noite na cama. Não me lembro dos motivos que nos faziam entrar.

Fiquei ali entre pensamentos até que baixou o espírito Forrest Gump no Billy, nosso hamster, que começou a correr feito um louco, alucinado e criança, na rodinha (aquele brinquedo de hamster). Impossível dormir na varanda com aquele roc-roc da rodinha.

Lá foi a Sofia para cama com a sensação de vitória por ter feito um ótimo negócio. E eu feliz por ter me permitido fazer algo tão fora do comum e ainda reviver essas histórias. No final das contas foi uma negociação do tipo ganha-ganha.