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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

IndigNADA


Vou contar um fato que aconteceu esta semana que poderia ser algo semelhante ao post "IndignAÇÃO". Apesar do sentimento provocado pela situação que vai ser contada ser praticamente o mesmo, este post vai ter o título IndigNADA. E ao final vocês irão entender a diferença.

Saí de casa com uma tremenda enxaqueca, daquelas que dá enjoo e fotofobia, para levar as minhas filhas para cortarem o cabelo. Acho que estou contando da minha enxaqueca mais para justificar a minha paralisia do que ela realmente seja relevante no contexto da história.

Chegamos ao salão na hora marcada e a Ana Luiza começou o tratamento e corte. Resolvi então ir com a Sofia em uma padaria metida a besta próxima ao salão. Eu queria beber alguma coisa para ver se aliviava o enjoo e a Sofia estava com fome.

Tá a padaria é metida a besta, mas eu gostava (já sentiram o tempo do verbo empregado aqui) dela. Mesmo a maioria das mesas sendo na calçada ela tem um certo charme, as comidinhas são gostosas e coisa e tal. Até já fui algumas vezes tomar um café da manhã por lá. Outras vezes fui na hora do lanche. Já passei para pegar um pão diferente para levar para casa. E sempre que vamos ao salão acabamos batendo o ponto na tal padoca metida a besta e frequentada por alguns seres também metidos a besta.

Estou eu e Sofia sentadas na nossa mesa já com o nosso pedido, conversando alegremente, apesar da dor que martela os meus miolos, ouvidos e mandíbulas, falando das nossas unhas com esmalte igual, fazendo umas fotos.

Quando estamos quase acabando o nosso lanchinho chega um homem ao nosso lado com algumas folhas de planta na mão e gentilmente, falando baixo e discretamente, diz que vai nos ensinar a fazer uma flor. Com toda habilidade ele faz o passo a passo da transformação da folha de planta em uma flor e entrega para a Sofia. Depois repete o mesmo processo e me dá uma flor.



Neste momento chega uma senhora aparentemente do tipo gente fina, elegante e sincera para ocupar a mesa ao lado. O homem das flores de folha de planta gentilmente puxa a cadeira para a senhora, até então elegante, sentar. Ela agradece educadamente e o homem lhe oferece uma flor que ela recusa educadamente.

Após isso ele olha para mim e para a Sofia diretamente, ligeiramente de costas para a mulher da mesa ao lado, e fala:

- Vou falar o português correto. Eu não quero dinheiro, mas se a senhora quiser me dar um misto quente e um guaraná eu aceito. Senão, vou me embora.

Gostei da forma como ele falou, sorri, chamei a garçonete, fiz o pedido e junto com ele a conta, pois já havíamos acabado.

O homem das flores caminhou para a mesa atrás da Sofia e da tal senhora, de frente para mim, e sentou para aguardar o seu pedido.

Me distraí com a Sofia olhando as flores e aguardando a conta. Um garçom, ou gerente, ou sei lá o quê da tal padoca metida a besta foi até o nosso homem das flores e pediu que ele saísse da mesa e esperasse naquela árvore.

Eu meio lesada, paralisada, querendo crer que a tal enxaqueca estava me deixando assim, não entendi e comentei com a Sofia, mais falando em voz alta para mim mesma, tentando raciocinar, do que outra coisa:

- Não entendi porque o garçom mandou o cara esperar lá. Se eu estou pagando o pedido dele, ele tem todo o direito de ficar sentado na mesa que afinal está ocupando a calçada.

Nisso, meio que ao mesmo tempo, a Sofia me avisou que a garçonete já tinha levado o lanche dele, o homem das flores de planta passou ao lado acenando e agradecendo e a garçonete chegou ao meu lado com a conta. Tudo meio rápido demais para a minha cabeça lenta (normalmente sou rápida de raciocínio e de reação, mas naquele dia eu estava meio paralisada).

Falei então com a garçonete que eu não entendi porque retiraram o cara da mesa e que ele tinha todo o direito de ficar na mesa porque o lanche dele estava pago. Na verdade fui falando e pagando a conta ao mesmo tempo. A garçonete disse que não sabia, porque ela era nova ali e se foi.

A senhora metida e elegante e metida a besta falou comigo educadamente e com voz suave de boa pessoa:

- É que ele é morador de rua.

Eu respondi também educadamente, apesar de achar um absurdo e não concordar em nada com o palpite da tal senhora.

- Não interessa. Ele é um cliente como eu, como você e como qualquer outro. O pedido dele está sendo pago. A errada fui eu que na hora que o garçom mandou o homem se retirar eu deveria ter me levantado, sentada à mesa com o homem das flores de planta, e avisado que ele iria ficar na mesa comigo.

A mulher fez uma cara meio de que não concordava. Eu não me interessei se ela concordava ou não, me levantei e voltei para o salão indigNADA. IndigNADA comigo mesma que não fiz NADA. Fiquei ali paralisada diante daquela situação.

Fui no caminho conversado com a Sofia sobre o ocorrido e ela falou:

- Eu acho que você deve escrever no blog.

Ficamos no salão por mais uma hora e meia e eu não relaxava. Continuava indigNADA. Agora eu estava indigNADA comigo e com o tal garçom que mandou o homem sair da mesa. Um sentimento ruim de revolta, de injustiça e até de me sentir desrespeitada como cliente.

Deixei o salão já atrasada para a minha aula de pintura, mas não consegui ir direto. Voltei na padoca metida a besta para falar com o tal garçom metido a besta.

Entrei educadamente e conversei com o cara na boa. Falei firme, mas educadamente. Coloquei todos os meus pontos em relação ao homem das flores daí o garçom disse que me entendia, mas que os outros clientes não pensavam como eu. Que inclusive tinha mandado o homem deixar a mesa porque a senhora ao meu lado tinha reclamado. Que ela, aquela senhora que aparentemente era gente fina, elegante e sincera, mas era na verdade podre, tinha reclamado inclusive da minha atitude. Que eu não deveria ter pagado um lanche daquela padaria para o homem da rua. Eu deveria ter dado o dinheiro para o homem comprar em outro lugar.

Perguntei ao garçom:

- Pelas minhas contas essa senhora está ocupando uma mesa sua por mais de uma hora e meia. Até agora ela consumiu o quê?
- Uma água e um cafezinho.
- Pois é, o homem das flores consumiu um misto quente de R$ 27,00 e um guaraná de R$ 5,00 e, com certeza, não ocuparia a sua mesa por mais de 15 minutos. Quem é melhor cliente para você? Além do mais, pelo visto, essa senhora espanta mais clientes do que o homem das flores, pois eu que vinha aqui com frequência e tomava um café da manhã completo, não apenas um cafezinho e uma água, não volto mais. (Mas cá entre nós, eu volto sim. Tô doida para encontrar o homem da flor de planta na rua para convidá-lo a ir comigo na podaca metida a besta, sentarmos na mesma mesa e comermos um misto quente com guaraná. Aí me despeço de vez da tal padaria que usa a calçada para colocar as mesas).

E ainda conversei mais alguns pontos com o garçom, gerente, frouxo, seja lá o quê. Saí de lá com vontade de fazer o barraco com a tal senhora, de virar a mesa dela, mas eu estava paralisada.

Cheguei na minha aula de pintura ainda indigNADA. Agora comigo, com o garçom e com a senhora que acha que caga um quilo certo.

Fiz a minha aula de pintura indigNADA. Fui deitar indigNADA.

Deitada na cama repassei a cena mil vezes e não me conformava por não ter tido alguma AÇÃO no momento.

E quando eu me lembrei que ainda paguei os 10% de gorjeta na parte do lanche do homem das flores que foi injustamente expulso da mesa e que saiu tão humildemente?! Fiquei deitada na cama mais indigNADA ainda.

Quando fui dar o título a este post eu observei o meu comportamento em relação a situação contada no post IndignAÇÃO.

Naquele dia da lagoa, como no dia da praia (está aqui no post "Eles acham ridículo? Tô nem aí!"), as situações me incomodaram, me geraram revolta, me causaram raiva, me deixaram aborrecida, chateada, e todos os sinônimos possíveis para a palavra indignada, mas a diferença é que eu tive uma AÇÃO. Não apenas fiquei indigNADA, eu senti indignAÇÃO.

Depois de tomar uma ação frente à situação que me incomodava todo o sentimento ruim passou. Ficou a história, ficou o aprendizado e ficou até uma parte divertida.

Neste dia da padoca metida a besta frequentada por algumas pessoas metidas a besta eu fiquei paralisada, não tomei a atitude que eu esperava de mim, não tive AÇÃO. Fiz NADA (mesmo este post saiu porque a Sofia insistiu). Com isso o sentimento ruim não só continuou, quanto cresceu.

A partir de hoje passei a preferir as palavras com sufixo AÇÃO.


3 comentários:

  1. A nossa indignação mostra que ainda temos coração! Parabéns! Pois, mesmo sem ter conseguido fazer nada, acabou fazendo alguma coisa!!

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  2. Faz tempo que eu acompanho o blog, mas como ainda não tenho filhos, não sou casada e não quero tão cedo, não me sentia a vontade para comentar, porém acho que preciso após esse post.

    Primeiro quero parabenizar você, pois é uma das poucas pessoas que ainda apresentam empatia. Acho que foi normal sua reação, pois, algumas vezes, a falta de sensibilidade nos demais nos deixa paralisadas. E é geralmente no pessoal mais endinheirado, aqueles que mais podiam fazer pelo próximo, que residem as piores atitudes. Não acho que você não tenha feito nada. Fez sua parte ao demonstrar para o garçom e para a mulher que eles estavam errados. A gente sempre pode fazer mais, mas muitos não fazem nem o mínimo. Tenho certeza que suas meninas, quando crescerem, serão cidadãs conscientes, justamente do tipo que nosso país, nosso mundo, está precisando.

    E que linda ficou essa foto da Sofia!

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  3. É para causar indignação mesmo. Não é mais aceitável esse tipo de atitude. Gostamos da reflexão sobre ficar indignada e ter indignação.

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