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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Quando o 192 não atende


Estou trazendo para o blog mais um post do Facebook que eu quero que fique registrado, que não  se perca e que até seja visto por mais pessoas.


A pessoa aqui gosta de contar aqui no Facebook histórias alegres, divertidas, coisas do gênero. Mas hoje, o dia que está lindo e começou especialmente especial, tem um história triste (e longa).
Estava eu e a minha amiga Janaína Diniz curtindo uma praia linda, com água geladinha depois de tomar um café da manhã maravilhoso com direito a espumante e tudo.

Duas barracas ao nosso lado estava um grupo de adolescentes (aparentemente entre 16 - 18 anos). De repente um deita na areia, começa a bater a perna e espumar pela boca. Os amigos olhando acham que ele está brincando (não perceberam a boca e os olhos do garoto). Euzinha gritei "ele está tendo uma convulsão, um ataque epilético, tá passando mal". De um salto, cheias de agilidade, eu e Jana ficamos imediatamente em pé procurando ajuda. Dois bombeiros tinham acabado de passar por ali. Olhamos ao redor, gritamos, verificamos que o posto salva-vidas estava longe.

Nestes segundos, em paralelo, as pessoas em volta olhavam a cena sem ação, um cara a nossa direita, sentado em sua cadeira de praia falava para os amigos manterem o garoto de lado para não sufocar e os amigos gritavam sem saber o que fazer.

Vendo que não tinha ninguém próximo para socorrer, a Janína, amiga atleta, maratonista, saiu em disparada correndo na areia fofa e quente em direção ao posto salva-vidas e eu peguei o celular para ligar para a emergência. Isso que é trabalho em equipe. Cada uma conhece as suas habilidades e faz o seu melhor. Se eu fosse correr na areia fofa, quente, sob o sol das 13h para pedir ajuda, teria que ser socorrida no meio do caminho.

Enquanto a Jana corria feito o Papa-Léguas (só faltou fazer bip-bip), eu disquei para o 190 (foi o primeiro número que veio a minha cabeça). No primeiro toque atendeu e eu disse: "temummeninotendoumaconvulsãonapraiadeIpanemaemfrenteao Hotel" (assim mesmo sem espaço para respirar). O atendente disse que iria me transferir para o 192 porque este era um caso para o SAMU. Eis que todos os atendentes estão ocupados e eu fico ouvindo uma musiquinha que já é infernal em outras situações, imagina com alguém morrendo na sua frente. Tocou, tocou. Janaína correu, correu (a essa altura do campeonato, que na verdade fora apenas alguns segundos, já tinha um bonitão-saradão-praieiro correndo atrás da Jana. Mas ficando pra trás mesmo porque a mulé corre).

Janaína chegou ao posto salva-vidas e a minha ligação caiu depois de muita musiquinha na minha orelha. Janaína fala para o sava-vidas "Ô mo", ele já entra em alerta feito um gato, "ço tem um menino", ele já desceu do alto do ponto de observação para a areia, "tendo uma convulsão na praia". Onde? Ali. Entre o tempo da Jana terminar o aviso ao salva-vidas, que já tinha chamado o outro, e sair começar a correr de volta, um ser na areia pergunta para ela: "É um ambulante?". A Janaína, que além de ser rápida na tomada de decisão, na corrida, é rápida também nas respostas, respondeu: "É UMA PESSOA!". E voltou em disparada para o local.

Em paralelo, enquanto a Jana está avisando aos salva-vidas eu ligo novamente para o 190 que atende ao primeiro toque. Falo "O MENINO ESTÁ MORRENDO NA MINHA FRENTE E o 192 SÓ TOCA MUSIQUINHA". O ser do outro lado responde que ele ou ela (não prestei a atenção) tem que transferir para o 192 que é o responsável por essas situações. Transfere e mais musiquinha. A essa altura eu já estava praticamente chorando, me sentindo impotente. A galera em volta sentada em suas cadeiras observando a cena. Os amigos gritando que ninguém fazia nada, se fosse rico alguém já tinha tomado uma atitude, e coisa e tal (entendo perfeitamente o nervosismo deles que também não faziam nada).

Enquanto eu ouço musiquinha na minha orelha, porque todos os atendentes estão ocupados, em um número de um serviço que tem como objetivo chegar precocemente à vítima após ter ocorrido alguma situação de urgência ou emergência, Janaína está voltando. Lá vem ela correndo, seguida por dois salva-vidas, e um pouco atrás mais três bonitões-saradões-praieiros. Os salva-vidas correm muito rapidamente, Jana Papa-Léguas corre mais ainda, e a musiquinha toca na minha orelha.

Os salva-vidas chegam. Um banhista médico chega junto (acho que veio correndo atrás da Jana). Começam massagem cardíaca, respiração na boca. O salva-vidas grita para alguém com celular ligar para o 193. Desligo a ligação que ninguém atende mesmo. Ligo para o 193. Explico o caso sem pausas para respirar e ele diz que vai me transferir. E sabe para qual número? 1-9-2! Berro desesperada que já me transferiram pra lá duas vezes e que ninguém atende. O ser do outro lado me diz que este é o número responsável por esse caso. "Você sabe o que é ficar ouvindo musiquinha enquanto alguém morre na sua frente?" e a ligação já tinha sido transferida.

Musiquinha. Grito para o salva-vidas que ninguém atende no 192. E estou tentando desde 13h11 e já são 13h17. Seis minutos quando se tem alguém naquela situação na sua frente é uma eternidade. Seis minutos para ainda não ser atendida em um telefone de emergência é inconcebível . Um dos salva-vidas grita para o outro passar um rádio para a ambulância.

O salva-vidas corre, a musiquinha toca, a musiquinha toca, o sava-vidas-corre, o salva-vidas passa o rádio e a musiquinha toca. 13h20 e eu ainda ouço a musiquinha. Janaína já se recuperou da corrida. Ninguém me atendeu ainda. Os socorros ao menino continuam. A musiquinha também. O salva-vidas retorna e avisa que conseguiu passar o rádio para a ambulância. Desligo sem ser atendida.

Cinco minutos depois a ambulância chega. Fazem o atendimento na areia. Levam o menino. Acabou a nossa praia. Voltamos para casa nos perguntando: e se alguém passa mal na rua, em uma praça, em algum local que não tenha um salva-vidas com rádio para entrar em contato com o telefone de emergência. Qual seria o tempo de espera? A eternidade?

Esse episódio me deixou preocupada com a questão do nosso serviço de 192, é claro. Mas também pelo fato de não sabermos qual atitude tomar. Mais ainda, vendo aqueles adolescentes sem ação, sem saberem o que fazer, pensei que se fosse a minha filha com as amigas, talvez também não soubessem como agir. 

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