Eu adoro fazer passeios em livrarias, fico por ali caminhando
tranquilamente, olhando as capas, pensando nos títulos, folheando alguns
livros, vendo as imagens de outros sem perceber o tempo passar. A livraria é um
verdadeiro oásis dentro desse urbanismo louco, acelerado e desenfreado.
Mas dessa última vez a coisa foi meio diferente.
Chego à sessão de guias de viagens (eu amo viajar e adoro
mapas), um recanto para sonhar com os destinos desejados, com paraísos
encantadores, cenários aconchegantes, e me deparo com o título abaixo: “1000
lugares para conhecer antes de morrer”.
O coração acelera, a respiração fica ofegante, a cabeça fia
a mil fazendo contas. 1000 lugares? Dá tempo? E dinheiro para isso? Considerando
que para viajar eu preciso de algum dinheiro e para ter algum dinheiro eu
preciso trabalhar, isso significa que tenho um mês de férias por ano. Ou seja,
consigo conhecer de dois a quatro lugares por ano. Tá bom, posso incluir alguns
feriadinhos nessa conta e chegar a seis lugares novos por ano. Supondo que eu
tenha uma expectativa de vida de 90 anos, que já vivi a metade e, por mais que
me considere uma pessoa razoavelmente viajada, na melhor das hipóteses, mas
sendo muito otimista mesmo, eu já conheça 500 dos 1000 lugares sugeridos nesse
livrinho do bem, ainda precisaria de 83,333 anos de vida para atingir a meta
estipulada para antes da minha morte. Ou seja, a conta não fecha. A ansiedade
bate a mil.
Por um lado a curiosidade, por outro o quase desespero do
medo de constatar que a vida é curta e não vai dar tempo. Abro o livro ou não?
- Abre, abre, abre, vai que você já conhece a grande maioria
dos lugares, vai que são locais perto um
do outro tipo vários pontos turísticos do Rio, mais um tanto de praias do
Nordeste, coisas do tipo. Aí você vai ter aquela sensação de vida bem vivida.
- Não abre, não abre, não abre. Você se lembra daquela
listinha de “17 lugares fantásticos no Brasil que você precisa conhecer antes
de morrer”? Lembra? Primeiro veio a sensação boa de já conhecer 11 lugares,
depois bateu a rebordosa quando você acrescentou mais quatro a sua lista que já
é grande. Aí veio a ansiedade, a constatação de que vai ter que trabalhar “bagaraio”
e quem trabalha “bagaraio” se estressa mais, quem se estressa mais vive menos,
quem vive menos tem menos tempo para cumprir o que essas benditas listas
indicam.
Tá lembrei, depois dessa vou sair da sessão de viagens,
respirar fundo, corrigir a postura e me encaminhar tranquilamente para a sessão
de autoajuda. Não estou acreditando... “101 coisas que você precisa fazer com
seus filhos antes eles cresçam”!. Coração acelera novamente, respiração
ofegante, a cabeça começa a repassar todas as coisas que já fez com as filhas,
foi coisa pra caceta, já começo a me sentir cansada (e feliz, é claro) só por
lembrar. Esse aí eu não abro nem por um decreto!
- Primeiro, porque as filhas
já cresceram e não adianta agora eu constatar que não fiz a metade das coisas
que eu precisava fazer (atenção para a palavra PRECISA no título).
- Segundo, porque é melhor eu continuar me achando uma boa
mãe dedicada, criativa e que aproveitou bem as filhas pequenas. Com certeza a
autora é bem criativa e deve ter pensado em umas 50 coisas que eu não fiz.
Ih, peraí, eu conheço a autora! Ela é gente boa e o livro
deve ser interessante sim e ajudar as pessoas menos ansiosas e ainda com filhos
pequenos, mas para mim o livro já passou da época, então vou sair batida dessa
sessão de autoajuda. Vou para algo mais light como livros de culinária e
gastronomia.
Ããããã... “1001 pratos para provar antes de morrer”? Como
assim? Esse até tem uma boa chance de eu já ter cumprido boa parte. O problema
é que eu não somente provo um prato. Eu como tudo, raspo e se der bobeira ainda
limpo com um pãozinho. Mas vem novamente a ansiedade, a sensação do tempo
correndo e escorrendo pelas mãos, tanta coisa que eu preciso fazer antes de
morrer e estou aqui paralisada diante de uma capa de livro. E nem coragem para
abri-lo eu tenho.
- Acontece que nessa lista deve ter pratos com ingredientes
caros e aí vou ter que trabalhar mais para ter mais dinheiro. Aí vou ter menos
tempo e as refeições serão menos corridas.
- Se eu conseguir devorar metade dos pratos sugeridos vou
ter que aumentar o tempo fazendo exercícios físicos para manter a minha
expectativa de vida e dar tempo de fazer as 1001 coisas por modalidade que
preciso fazer antes de morrer.
Mais uma vez a conta não fecha. Se bem que posso comer
muitos desses pratos nas 1001 viagens, né? Não, não, não. Não vai dar tempo de
fazer todas as viagens. Esquece isso! Sai desse setor correndo!
Quando já estou quase me recompondo, a respiração voltando
ao normal, o coração batendo em ritmo de sambinha eu vejo de rabo olho “1001
vinhos que você precisa experimentar antes de morrer”. Opa! Esse eu acho que a
conta vai fechar. O recomendado é uma taça de vinho por dia, ou seja, em dois
anos e nove meses eu cumpro a minha meta de vida. E ainda, conforme uma matéria que saiu por aí,
uma taça de vinho equivale à uma hora de exercício. Já vou poupar o tempo da
academia! E a grana também porque vinho não é baratinho, não. Ai, coração
acelera e lá vem a ansiedade novamente:
- Para tomar todos esses vinhos em dois anos e nove meses
vou ter que trabalhar mais e isso significa ter menos tempo para fazer as
viagens, as coisas com as filhas, comer todas as comidas e tomar todos os
vinhos.
Desiste, sai correndo dessa livraria, esquece essas listas.
Vou saindo com os passos acelerados tentando não olhar para os lados, mas dá tempo
de ver o título “1001 músicas que você precisa ouvir antes de morrer”. Nem vem,
nem adianta que o tempo no metrô indo para o trabalho está ocupado com os “1001
livros que você precisa ler antes de morrer”. Você sabe que ler e ouvir música
ao mesmo tempo no metrô não vai dar certo. Nunca mais você acerta a estação e o
pouco tempo que você ainda tem em casa já está ocupado com os “1001 filmes que
você precisa ler antes de morrer”.
Fugi dali com a sensação de que todos aquelas 1001
necessidades estivessem atrás de mim. Cheguei em casa, corri para o banheiro para fazer o que realmente era preciso naquele momento e fiquei pensando em como era
bom quando a lista das coisas para fazer antes de morrer sem ter desperdiçado a vida tinha apenas três itens: plantar uma árvore (feito), ter um
filho (fiz em dobro), escrever um livro (feito já que ninguém falou em editar,
publicar e vender). Ufa! Relaxei!
Chris, adoro passear nas livrarias também e adorei esses que você falou! Feliz 2016 para você. Bjos
ResponderExcluirNossa, que agonia dessas 1001 coisas pra fazer antes de morrer, nunca tive coragem nem de abrir esses livros, não poderiam ser 100 coisas, muito mais fácil de morrer com o dever cumprido hehehe.
ResponderExcluirTinha até um projeto de 100 coisas em 1001 dias e claro que eu falhei, tudo bem que ainda tenho 8 meses mas se conseguir 30% da lista já to feliz, sem stress, sem ter que trabalhar dobrado!
Beijão
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk sensacional Chris, parabéns pelo excelente texto, um dos melhores que você já fez, o que confirma o que já te falei várias vezes: faça um livro de crônicas você irá arrasar. ;)
ResponderExcluirBeijo, beijo!
She