Geração Z ensina os pais a usar tecnologia
Criados em ambientes digitais, filhos invertem papéis, viram professores dos pais e derrubam mito de que novas mídias afastam a famíliaAssim como há tabus perpetuados por gerações e gerações, há também abismos capazes de se abrir ou se fechar de acordo com as relações estabelecidas entre avôs, pais e filhos. Para a Geração Z, denominação usada para os nascidos de meados dos anos 90 até o início desta década, a “fluência tecnológica” pode encurtar distâncias – não só da jovem geração com o mundo, mas também dentro de casa.
“A Ana Luiza foi quem me introduziu ao MSN, Orkut, plataformas de blog. Aos 8 anos ela já me pediu para ter acesso a esses aplicativos e eu tive que aprender como funciona, as regras, as responsabilidades envolvidas. Desde os 6 anos ela curte novas tecnologias e já fazia livrinhos no Power Point com essa idade”, conta a mãe e analista de sistemas Christiana Ferreira.
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Hoje, a pequena “nativa virtual” já tem 12 anos e continua explorando com facilidade os ambientes digitais, antecipando novidades, descobrindo como equipamentos e programas funcionam, sem recorrer a manuais, tutoriais ou mesmo ao conhecimento dos próprios pais. “Outro dia eu comprei uma máquina fotográfica nova e em cinco minutos ela descobriu que ela também funcionava como um GPS. Eles são muito rápidos, aprendem o mecanismo de funcionamento de tudo com uma velocidade impressionante”, diz a mãe.
Casos como o de Ana Luiza ilustram as estatísticas comprovadas por pesquisas feitas tanto no Brasil como no exterior. Aqui, uma recente pesquisa feita pela Quest Inteligência de Mercado detectou que 79% dos internautas da geração Z criam e compartilham informações como vídeos, textos e músicas na web, sendo assim a principal geração produtora e disseminadora de conteúdo virtual. Já o Joan Ganz Cooney Center, centro de pesquisas e inovações norte-americano voltado ao estudo de mídias digitais para o desenvolvimento de crianças, constatou que mais de 1/3 dos pais de crianças com 3 a 10 anos declararam ter adquirido algum conhecimento tecnológico com seus filhos. Segundo o relatório, a maior parte dos pais tem sob controle a “explosão” da mídia na vida das crianças.
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Em casa
O acesso à tecnologia faz parte não apenas da vida escolar, mas da rotina familiar de muitas crianças, algumas até em fase pré-escolar. Maria Clara, 5 anos, é filha do publicitário Guilherme Loureiro. Desde os dois anos se interessa pelo computador. “A escolinha tinha um site com jogos feitos para a idade dela e nós a ensinamos a digitar as teclas certas para ela mesma colocar a senha e aprender a jogar”, relembra o pai. Hoje ela não tem problemas em operar um iPad.
Disponibilizar tantas ferramentas e informações aos filhos ainda pequenos causa estranheza e desafia muitos pais a uma reflexão sobre o assunto. Mas, tanto no caso de Ana Luiza como no de Maria Clara, a acessibilidade é supervisionada de perto, com regras muito bem estabelecidas pelos pais, que impõem horários e condições para o uso dos dispositivos. “A cultura tecnológica hoje é uma realidade. Eu não proíbo, mas busco um equilíbrio”, argumenta Guilherme.
Para Christiana, mãe de Ana Luiza, as regras são muito claras e aceitá-las é condição incontestável para ter acesso à tecnologia. Mas, para estabelecer as regras, ela também precisa entender das novidades. “Tenho que aprender constantemente, para saber o que posso liberar e com quais restrições. Se você acompanha e ensina, tanto ela como eu conseguimos nos apropriar da tecnologia de maneira construtiva”, acredita.
Segundo José Milagre, advogado e perito em segurança na internet, o cenário de “pais analógicos criando filhos digitais” exige muito mais que proibição e controle vigiado. Para ele, censurar com guarda-costas digitais, programas Proxy e outras ferramentas do tipo apenas distancia pais e filhos. “As crianças são mais espertas e acabam burlando essas regras técnicas. O melhor caminho é o do bom-senso e do diálogo. Os pais precisam entender essa realidade e marcar presença, navegar, conhecer. Assim terão argumentos para evitar a superexposição dos filhos, afastando-os dos perigos digitais, que não são poucos”, explica.
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Experiência digital como ponte
O intercâmbio de experiências digitais pode diminuir conflitos entre pais e filhos. A evolução tecnológica vai apresentar, cada vez mais, novas mídias e formas de se comunicar. Permanecer resistente ou indiferente a tantas mudanças certamente não leva ao estreitamento dos laços familiares. “Antes era a TV, depois veio o DVD, agora há computadores, dispositivos mobiles, celulares. Não são propriamente os novos adventos tecnológicos que distanciam ou aproximam pessoas dentro de casa, mas o diálogo, a abertura ou a falta desses canais de comunicação. A tecnologia pode potencializar um problema, mas nunca é sua causa”, ressalta a neuropsicóloga Mônica Carolina Miranda, da Unifesp.
A engenheira Lucila Saito, mãe de Henrique, 9 anos, e Marilia, 6, não nega: muitas vezes, é mais fácil tirar algumas dúvidas com o próprio filho do que buscar, ela própria, a solução. “Eu tenho um iPhone. Para baixar um aplicativo, recorro ao Henrique, porque eu nunca fiz isso. Tudo para ele é mais fácil. Outro dia mesmo estávamos num restaurante e eu preocupada em voltar para ligar para minha mãe no Skype. De repente o Henrique estava falando com ela no Skype do meu telefone. Nem eu, nem meu marido sabíamos ser possível fazer isso”, conta.
Se hoje existe a possibilidade de alternar os papéis de aprendiz e tutor entre pais e filhos, por que não aproveitá-la com as devidas responsabilidades? “Os filhos têm maior domínio instrumental dessas tecnologias e sabem disso. Mas reconhecem, sim, os pais e os professores como detentores dos porquês de tantas informações”, finaliza Maria Elizabeth Almeida, professora do Departamento de Pós-graduação em Educação da PUC-SP.
Como salienta o perito José Milagre, os ambientes virtuais são como “paisagens naturais” para os representantes da geração Z. Mas o fato de serem habilidosos manipuladores de ferramentas tecnológicas não os torna capazes de lidar com tanta informação. “Eles precisam de educação digital. E quem pode proporcionar isso são os pais e educadores”, recomenda.
Falta de livros em casa prejudica estudantes brasileiros
03 de maio de 2011 • 08h47 • atualizado às 11h54
Sofia, 5 anos, não consegue dormir sem uma boa historinha
Foto: Arquivo pessoal/Divulgação
A carioca Ana Luiza, 12 anos, chegou em casa cansada depois de um dia atarefado na escola. Largou a mochila no quarto e falou para a mãe, Christiana Ferreira, 40 anos: "Estou estressada. Vou ler um livro para relaxar". E se dirigiu para a estante para escolher um dos de cerca de 300 livros da família.
A cena na casa da família carioca, porém, não é regra nos lares brasileiros. É o que mostra um levantamento do Movimento Todos Pela Educação, com base no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). A pesquisa, de 2010, analisou 65 países e constatou que 39% dos estudantes brasileiros declararam possuir, no máximo, dez obras literárias.
Além disso, no ranking de alunos que afirmam ter mais de 200 livros em casa, o Brasil ocupa a 64º posição. A realidade se torna ainda mais preocupante com outro dado revelado pelo estudo. De acordo com o levantamento, o estudante que tem até 10 livros em casa tem notas 15% menores em português e ciências do que aquele que tem entre 100 e 200 obras na estante da sala. Em matemática, o diferencial sobe para 17%.
Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, comprovam que quem mais influencia o leitor é mãe (49% deram essa resposta), seguida de professores, com 33%, e do pai, com 30%. Talvez seja essa a explicação da paixão literária da pequena Ana Luiza e também de sua irmã Sofia, 5 anos. A mãe Christiana conta que frases como a de Ana Luiza, que procurou no livro um refúgio para o seu "estresse", são comuns em sua casa. "As duas trocam a televisão por uma boa leitura facilmente. Sofia, por exemplo, não consegue dormir sem uma boa historinha", diz.
A casa de Christiana é uma das poucas no Brasil que possui mais de 200 obras literárias. Segundo ela, o costume é passado de geração para geração. "Eu sempre tive o hábito da leitura e cresci vendo os meus pais lerem muito. Meu pai sempre lê no mínimo dois livros em paralelo, um em português e outro em inglês. Minha mãe lia constantemente uma publicação atrás da outra. Vendo isso, acabei pegando o mesmo hábito e passando isso para minhas filhas", fala.
Para ela, incentivar as crianças deve ser algo natural e divertido. "É preciso fazer da leitura uma atividade interessante, explorar o livro, brincar com a história. Aqui, nós fazemos personagens de material reciclado, a nossa versão da história, a nossa ilustração, entre outras coisas. A leitura não começa apenas quando abrimos o livro, e nem simplesmente acaba quando o fechamos", conclui.
Chiristiana mantém o blog Inventando com a mamãe, no qual sugere títulos e programas interessantes para as mães fazerem com seus filhos.
A pedagoga Luciana Allan acredita que as estatísticas são um reflexo de um retrato cultural do país. "O incentivo à leitura é uma prática que até pouco tempo não era muito valorizada nas escolas. Com a instituição dos exames nacionais, como Enem e Prova Brasil, ficou mais evidente a defasagem na formação das nossas crianças, principalmente na questão da leitura. E isso tem estimulado a implementação de projetos para amenizar este problema", explica Luciana, que também é diretora do Instituto Crescer, que promove a formação de professores para a leitura em sala de aula.
Mas, para a especialista, uma das maiores barreiras para ampliar o acesso aos livros são os altos preços das publicações. "Hoje, um livro de boa qualidade custa em média quase 10% de um salário mínimo. Como incluir isso no orçamento familiar?", questiona.
O autor de títulos infantis como Quinho e o seu cãozinho e Espiando o mundo pela fechadura, Lae de Souza, concorda com a pedagoga. "O aumento no número de leitores poderá reduzir os preços e por sua vez esta redução pode favorecer o crescimento na quantidade de leitores. Para termos uma cultura de leitura é preciso pensar nas formas de facilidade de acesso aos livros", diz.
Inconformado com o lugar-comum de que o brasileiro não gosta de ler, ele decidiu criar o Projetos de Leitura, que hoje tem dez iniciativas voltada para escolas e hospitais e já atingiu cerca de 500 mil pessoas no Brasil: "Os projetos nasceram com a proposta de criar mecanismos de estímulo à leitura e participação ativa do estudante no processo", conta.
Souza comenta que estas iniciativas surgem para suprir a necessidade de alunos que não encontram estímulo onde deveriam obter: em casa. "O ideal é que esse incentivo fosse dos pais, com continuidade na escola. No colégio, entende-se que a leitura é uma necessidade, uma obrigação, portanto é só uma atividade escolar. É preciso que ela seja estimulada como prazer para que acompanhe o estudante por toda a sua vida, e para que ele transmita isso aos seus pais e filhos", afirma.
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