Aprendi a gostar de livros de crônicas no metrô. Cansei de perder a estação porque estava envolvida na leitura de algum romance, aventura, suspense, sei lá mais o quê. Me encontrava na leitura e me perdia no tempo. Foi com um livro de crônicas que me dei conta que a leitura de uma crônica era o tempo certo entre as estações. Assim passei a ter sempre um livro de crônicas na minha bolsa, na minha mesa, à mão.
Normalmente não leio um livro de crônicas de batida. Leio intercalado com outros, leio aleatoriamente. Mas esse último, "Minha Esposa Tem a Senha do Meu Celular", foi diferente. Li de cabo a rabo.
Eu já tinha lido uma coisa ou outra do Fabrício Carpinejar, só isso. Mas eu estava na livraria, na fila para pagar o livro que comprei e a capa do Carpinejar chamou a minha atenção. Peguei, abri aleatoriamente em uma crônica e li ali na fila. A tal crônica, de título "Centopeia de Espírito" começava assim:
"Nunca vi nenhuma mulher selecionar os seus sapatos para a campanha de agasalho (até porque elas acreditam que sapato não é agasalho). São generosas e oferecem roupas novas, recentes, que não servem mais. Realizam limpas no armário mensalmente, separam o que não agrada com bonança. Nunca deixam nada parado, sem utilidade para o próximo. Mas sapato, não."
Discordei. Eu doo sapatos. Aliás, só para contrariar, quando cheguei em casa eu fiz a limpa nos meus sapatos. Mas, não sei bem o que me deu, acho que baixou o espírito centopeia e fiz a compra online de alguns pares de sapatos para substituir os doados.
Mas eu estou aqui pra falar do livro. Peguei o exemplar, ainda não convencida se levaria para casa, e me sentei em uma área aberta da livraria que estava vazia. Segui a leitura. Li 50 das 142 páginas. Uma crônica atrás da outra. Nem sempre concordando com o conteúdo, mas sempre admirando a a escrita, a escolha das palavras. Frases inspiradoras, detalhes divertidos. Algumas identificações, como em "Maladragem Familiar"
"Quando alguém de casa me pergunta se eu vi determinada coisa, não está, na verdade, me questionando, está me culpando e me pondo a trabalhar para achar. " É exatamente assim que eu me sinto.
"A incriminação é falsa, um oportuno artifício para ganhar a atenção." Eu nunca tinha pensado por esse ângulo. Sempre assumo a culpa automaticamente.
"Pois tenho que provar a inocência de uma hora para outra. Sou obrigado a cessar as minhas preocupações, por mais importantes que sejam, para investigar onde a pessoa deixou o objeto." Exatamente isso, paro o que estou fazendo e vou "resolver" a minha suposta "culpa".
Não teve jeito. Tive que voltar para a fila. Eu levaria "Minha Esposa Tem a Senha do Meu Celular", mesmo eu não tendo a senha do celular do meu marido, nem querendo ter, nem ele tendo a minha. Nada a esconder. Apenas privacidade, existir individualmente mesmo sendo parte de um par.
A crônica que dá título ao livro foi publicada no perfil do Facebook do autor. Nela, Carpinejar conta que sua mulher tem a senha do seu celular e ele tem a dela. Nunca conversaram a respeito - simplesmente aconteceu. Ele entende isso como uma demonstração de confiança, transparência, fidelidade. Eles, o casal, não entendem como invasão de privacidade, mas sim um convite para que esta seja dividida entre os dois. Lindo! Romântico!
Euzinha aqui já sinto e penso de forma diferente. Não tenho nada a esconder, justamente por isso não preciso dar provas disso. Eu confio, justamente por isso não preciso de provas. Não tenho nada a esconder, mas tenho privacidade a manter. Por exemplo, algumas amigas podem desabafar seus segredos comigo pelo WhatsApp que os segredos delas serão mantidos comigo. Não corre o risco de ninguém ver. E não estou escondendo nada, estou apenas mantendo em segredo o segredo que não é meu. Pontos de vistas.
Muitas crônicas me despertaram exatamente pela identificação. Outras, o oposto. E acho que foi justamente por trazer alguns pontos de vistas diferentes do meu que algumas das crônicas me interessaram tanto a ponto de eu ler o livro de batida. Muitas vezes me sentia uma verdadeira aquariana lendo textos de um canceriano. Fui até pesquisar o signo do autor, ele é escorpião.
O livro fala de amor, de liberdade e de confiança. Fala de entrega, de doação. Fala de casamento, de rotina, de quebrar a rotina, de ver beleza na convivência diária e de se divertir com "os defeitos". Fala de fidelidade e e respeito. Fala de romance. As crônicas de narrativa biográficas são voltadas para a relação entre marido e mulher.
Você pode me encontrar também