É o tal do novo normal. Outros tempos que se prolongam. E me deparei cara a cara com esse outros tempos.
Entrei de férias e não viajei. Entrei de férias empurrada, forçada, obrigada pelas leis trabalhistas já que venceria o meu segundo período. Em outros tempos tão próximos no passados e tão sem previsão no futuro eu estaria saltitante e embarcando de mala ou mochila para algum lugar.
No primeiro dia das minhas férias eu precisaria ir ao escritório fazer a troca do meu equipamento. Tinha a opção de deixar para depois ou de não considerar esse dia dentro das férias e acrescentar um dia ao meu retorno. Mas eu escolhi ir ao escritório. Depois de exatos quatro meses e quatro dias em home office, saindo para praticamente nada, fazendo apenas alguns poucos passeios dentro do carro, ir ao local de trabalho se tornou uma aventura. Um passeio turístico de férias.
A vista é realmente linda e alcança diversos pontos turísticos do Rio. Estar frente a frente com a Catedral e o Pão de Açúcar encheu meus olhos de doçura.
O badalar do sino da igreja anunciado o meio do dia pulsou no peito. Contemplar o Cristo Redentor, nossa maravilha do mundo moderno, sobre as construções da cidade me fez sentir grata.
A vista 360º do prédio me encantou mais uma vez. Me encantou com o olhar de quem não vai vê-la novamente no dia seguinte, apesar de saber verá novamente em um futuro sem data marcada. Com o olhar de quem vai sentir saudade.
Olhar ao fundo a Serra dos Órgão e ver o Dedo de Deus apontando para o alto me deu esperança de estarmos apontando para a direção a um ponto final à vista, mesmo ainda não visto.
Observar a avenida lá embaixo praticamente sem carros me causou estranheza, me fez lembrar dos dias de trânsito intenso e movimento, mas me desejar mais calmaria (nesse aspecto) para o futuro que ando contando os dias para que chegue logo.
Foram apenas duas horas dos meus quinze dias de férias que "turistei" no escritório. Realmente outros tempos. Nunca que eu imaginaria que ir ao trabalho nas férias seria a minha grande atração turística. Não vi normalidade nesse novo normal, mas agradeci por ter a oportunidade de trabalhar em um local com essa vista, essa estrutura, nessa cidade e que ainda me proporciona o home office e férias.
Como continuo evitando o uso de transporte público, as minhas filhas foram me buscar nas minhas férias trabalhistas. Primeira vez que a mais nova saiu de casa nesse período de quatro meses e quatro dias. Aproveitamos para fazer um passeio de carro contemplando a orla do Rio. Mais do que do Leme ao Pontal. Do Aterro do Flamengo até Grumari. O Rio de céu azul, mar com água azul esverdeada clarríssima enquadrados pela janela do carro. Um dia de verão passando no nosso inverno.
Poder olhar o mar de perto, sair do carro, sentir o vento, a maresia, ouvir o barulho das ondas traz uma sensação de liberdade tão normal nos tempos do não tão antigo normal. Me peguei cantarolando a música "Te Ter", do Skank. O trecho:
"Te ver e não te querer
É improvável, é impossível".
Olhar esse mar, essa praia vazia e não poder mergulhar "
"É como esperar o prato
E não salivar
Sentir apertar o sapato
E não descalçar"
Seguimos nosso passeio de volta pela orla. Fizemos mais uma parada de liberdade para desenquadramos, ou melhor enquadramos em uma grande angular, a vista dessa cidade maravilhosa.
Paramos nas pedras sobre a Praia do Secreto. Uma vista ampla e bem definida (diferente da visão que temos do futuro nesse momento): Praia do Secreto abaixo, Praia da Macumba, Pedra do Pontal e Pedra da Gávea ao fundo.
Um desvio no caminho. Fizemos uma quebrada na rota pela orla e subimos a Estrada do Joá com a Pedra da Gávea à esquerda nos convidando a povoar nossos sonhos com dias em que novamente poderemos agendar, programar, marcar datas. Dias, datas, comemorações, viagens, encontros que por enquanto mantemos em suspenso.
Mirante vazio! Vamos contemplar o horizonte! Temos um horizonte a nossa frente. Temos uma direção a seguir.
Esses dias esquisitos que por um lado me geram ansiedade pela incerteza, pelos novos medos que estou aprendendo a lidar (eu que me achava uma pessoa de poucos medos), pela calma que sinto que estou perdendo pelo prolongar desse novo normal que não se concretiza; por outro lado me alegra pela tranquilidade, pelo silêncio, pela calmaria.
Ficamos ali alongando os pensamentos por um tempo. Pouco tempo. Até chegar outra família. Tivemos que deixar a proximidade com a natureza para manter o distanciamento social.
Um frescor de liberdade nesses outros tempos, nesse novo normal. A sensação de liberdade sim, mesmo que uma liberdade condicional.
Sigo com saudades dos outros tempos, vivendo esses outros tempos que se prolongam, aguardando os outros tempos pós novo normal quando a situação estará acomodada novamente e as comemorações, festas, férias, possa ser agendas no calendário.
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